Pela
primeira vez, o Fórum Mundia da Água ocorrerá em um país do Hemisfério Sul. O
potencial hidrográfico fez com que o Brasil fosse escolhido como sede. Para o
diretor executivo do 8º Fórum Mundial da Água, Ricardo Andrade, um dos
principais objetivos é chamar a atenção do cidadão comum.
“É
fazer com que o tema água entre na agenda do dia a dia do cidadão. Não só do
cidadão mobilizado, aquele que discute o tema da água, mas daquele cidadão
comum, que acha que a água nasce na torneira, que para ter água limpa precisa
de torneira limpa, que não tem a percepção da importância de cuidar bem da
água”, destaca.
Andrade
é diretor de Gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) e um dos 50
profissionais responsáveis pela organização do Fórum Mundial da Água, que ocorrerá
em Brasília entre os dias 18 e 23 de março.

Veja
a seguir os principais trechos da entrevista de Ricardo Andrade à Agência
Brasil:
Agência
Brasil: O que levou o Brasil a ser escolhido para sediar o Fórum Mundial da
Água?
Ricardo
Andrade: Vamos começar pelo papel da ANA, que é uma instituição nova, com
apenas 17 anos – foi criada em 2000. Por ser uma agência nacional, que não tem
escritórios regionais, mas atua em todo o país por meio de parcerias com órgãos
estaduais, a ANA sempre buscou parcerias no exterior. A partir daí, marcamos
presença no Conselho Mundial da Água (CMA), que é o promotor do Fórum Mundial
da Água. A realização do fórum no Brasil se tornou quase que uma obrigação. E
aqui há um ponto que precisa ser bem esclarecido: é o de que isso não foi uma
iniciativa da ANA. A agência foi provocada. As diversas instituições
brasileiras ligadas à água se reuniram e entenderam que estava na hora de
realizar o fórum na América do Sul. E isso se justificava com o argumento de
que o Brasil tinha o que mostrar: a maior oferta hídrica individual do mundo.
Agência
Brasil: Como o país está lidando com esse desafio?
Andrade:
É um desafio, sem dúvida. Alguns falam que teremos 30 mil participantes. Outros
dizem que pode ser até mais do que isso. Mas a nossa pretensão não é fazer o
fórum com o maior número de participantes, mas um fórum que de fato transforme
a discussão política sobre a água, que eleve nossa preocupação com o tema da
água. Acho que esse poderá ser o principal legado do fórum. Uma das
expectativas é fazer com que a água entre na agenda do dia a dia do cidadão.
Não só do cidadão mobilizado, aquele que discute o tema da água, mas daquele
cidadão comum, que acha que a água nasce na torneira, que para ter água limpa
precisa de torneira limpa, que não tem a percepção da importância de cuidar bem
da água.
Agência
Brasil: Como é essa presença brasileira no Conselho Mundial da Água?
Andrade:
Desde 2003, a ANA atua no conselho, mas em 2009, resolvemos ampliar um pouco
essa presença, porque a agência estava mais madura e queria ter uma
representatividade maior. E dada a importância do Brasil na questão da água e a
liderança que o país exerce nesse tema, a ANA passou a liderar o processo de
engajamento internacional. Hoje, o presidente do Conselho Mundial da Água é um
brasileiro, o professor Benedito Braga, representante da Escola Politécnica da
Universidade São Paulo e atual secretário de Saneamento do estado de São Paulo.
O Brasil tem ainda quatro governadores no Conselho.
Agência
Brasil: Por que o senhor acha que falar em maior oferta hídrica passa a
impressão de a água ser inesgotável?
Andrade:
Porque dá a sensação de que nós temos muita água, que ela nunca via acabar e
que não temos que nos preocupar com ela. E isso não é verdade. Nós temos essa
água, sim. Mas onde tem água não tem gente e onde tem gente não tem água. Na
Amazônia, tem água mas não tem gente. No Nordeste, em quase todo o litoral
brasileiro, tem gente mas não tem água. E onde tem água e tem gente, muitas
vezes, a água não é bem cuidada. É poluída, desperdiçada. Então, passando por essas
reflexões, entendemos que era o momento de oferecer ao Conselho Mundial da Água
a oportunidade de trazer o Fórum para o Hemisfério Sul.
Agência
Brasil: Partindo dos resultados dos fóruns anteriores, o senhor diria que houve
realmente um progresso na discussão do tema da água, desde o primeiro lá no
Marrocos?
Andrade:
Um fato inédito, por exemplo: nós temos um compromisso de desenvolvimento
sustentável especifico para a água. Dizer que isso é resultado apenas das
discussões ocorridas nos Fóruns Mundiais da Água talvez seja exagerado, mas
dizer que os Fóruns Mundiais da Água não tiveram nada a ver com isso seria
leviano e falso. Então, acho que os fóruns contribuíram sim para a discussão,
mobilizaram a sociedade, e os seus resultados são reais. Hoje, você tem dezenas
de eventos sobre água em diferentes regiões do mundo a cada ano. Sempre
mobilizando as populações locais, a sociedade, os governantes.
Agência
Brasil: Como esses eventos podem, de algum modo, trazer soluções?
Andrade:
Não se consegue oferecer água de boa qualidade no tempo certo e no lugar
correto se não tiver financiamento, se não tiver uma boa governança. Não
adianta oferecer água se não tratar o esgoto, porque aí o manancial que se
tinha para oferecer água perde a qualidade. E aí passa a se ter um problema de
quantidade não porque falta água, mas porque falta qualidade. Então, o grande
desafio, de fato, está nessa linha. Os investimentos do governo avançaram, a
conscientização da população avançou. Estamos avançando, temos ainda muito a progredir,
mas organizações como a ANA, as agências reguladoras estaduais, as companhias
de saneamento, os governos, no Brasil em especial, têm trabalhado
incansavelmente para melhorar os índices de qualidade de vida.
Agência
Brasil: O senhor acredita que o Fórum Mundial da Água no Brasil vai ampliar
essa compreensão do tema?
Andrade:
Há um dado interessante que eu poderia citar a partir das reuniões
preparatórias do fórum que tivemos em Brasília. Uma ocorreu em junho de 2016,
antes da crise hídrica, e outra em Abril de 2017, durante a crise por que passa
a capital. Na primeira reunião, 30% do público eram de moradores locais. Na
segunda, esse público local era de 60%. Qual a diferença entre as duas
reuniões? Em 2016, tínhamos normalidade no abastecimento de água e, em 2017,
tínhamos uma situação de crise instalada. Os sinais são muito claros de que o
fato de a crise estar instalada aumentou o interesse pelo tema água. Então, é
possível que o fato de se correr o risco de não ter págua em casa leve as
pessoas a refletir sobre a água disponível, a necessidade de economizá-la, de usar
essa água racionalmente, de protegê-la de certa forma, de cobrar os
governantes, e não apenas os governantes, mas o cidadão, seu próprio vizinho.
Edição:
Talita Cavalcante
Agência Brasil.